É provável que você já tenha acompanhado entrevistas em programas de
TV ou rádio, canais de vídeo ou áudio na internet ou lido em jornais, revistas
ou sites. Elas têm extensão variada e algumas delas, mais curtas, podem
estar inseridas em notícias ou reportagens.
Vamos iniciar o estudo deste capítulo lendo a transcrição de uma entrevista feita em um programa de TV.
Serginho entrevista vítima de bullyingSerginho Groisman: Eu vou falar agora com essa garota queeee...
sofreu, na escola, um problema muito grave. Ela tá aqui; por favor, venha.
(Aplausos.)
SG: [...] A Manoela, a gente descobriu numa outra conversa. Ela estava
sentada aqui (apontando um lugar na plateia)... ali, e foi tão forte o que ela
disse que eu falei “pô, vou convidar de novo para ela contar melhor essa
história”, que é uma história de associação de bullying com racismo, com
preconceito racial. [...]
SG: Bom, você estudava numa escola, em Ribeirão Preto, numa escola
particular, foi isso?
Manoela Sales: Isso.
SG: E o que aconteceu lá?
MS: Então, eu entrei lá, nessa escola particular, e ela tem um
grande nome. Foi até um pouco difícil pros meus pais poderem
tá pagando, né? E quando eu entrei eu não fui muito bem recebida, só que eu achei que ia passar, mas não passou. Começaram
as ofensas, eu não podia fazer pergunta em sala de aula porque
os professores me ridicularizavam, os alunos me ridicularizavam.
Aí começaram as piadinhas com o meu nome, com tudo o que eu
falava, começaram a jogar lixo em mim, começaram a bater na minha
carteira, começaram a cuspir em mim, gritar palavrão no co... enquanto
eu andava no corredor, essas coisas assim. E aí, eu... e os professores
presenciavam isso, os professores viam isso e falavam assim “senta lá
que daqui a pouco eles param”, “não, relaxa, daqui a pouco eles param”.
E aí eu fui entrando numa tristeza e numa paranoia que eu não queria ir mais pra escola, eu só chorava, eu não conseguia fazer prova, eu não conseguia estudar, minhas notas foram caindo, caindo, caindo, caindo. E aí um dia... ééé... um dia não, né?, uma semana,
eu não falei com ninguém. Ninguém falou comigo a semana.
Eu fiquei uma semana indo pra escola quieta e sendo quieta, por
-
que ninguém dirigia a palavra a mim. E aí eu liguei pro meu pai
no recreio e falei: “pai, conversa comigo, porque faz uma semana
que ninguém fala comigo e eu t
ô ficando muito triste”. E aí acho
que foi quando meu pai falou “chega”. Sabe, porque a gente tentou
a minha adaptação, a gente tentou tá ali, mas não deu. Aí meu pai
falou “vamo procurar outra escola”, que foi a escola pública.
SG: Vamos ainda continuar aqui nessa primeira escola. Você atri
-
bui a que... hã... essa perseguição? O fato de você ser negra e ter
poucos negros na escola, o fato de você, sei lá, não se relacionar
bem, não ser uma boa aluna? O que é que levou as pessoas aaaa...
fazerem essa perseguição e perseguições racistas?
MS: Eu acredito que é a diferença. Como eu era a única negra, negra mesmo,
assumida da sala, eu acho que a diferença pode ter é... dado pra eles uma
oportunidade de tirar sarro daquilo, entendeu? Então, eles começaram aaaa...
tra... a fazer com que a minha diferença fosse algo ruim dentro da sala de aula.
E fizeram eu acreditar que a minha diferença era algo ruim. Então, por eu
ser negra, por eu ter uma diferença socioeconômica deles... Eles chegaram
a falar assim pra mim “se seu pai não tem fazenda, você não sabe conversar
com a gente”. Então... era... era tudo assim. Então, como eu era “a” diferente
do... do restante da turma, eu sofria essa perseguição.
SG: E você, quando você veio aqui da primeira vez, você falou a respeito
da palma da mão. Queria que você repetisse isso.
MS: Ééé... quando aconteceu esse episódio eu era bem menor, eu era
criança, e uma menina na escola... ela achava muito diferente eu ser negra
e achava ruim eu ser negra e ela achava que ela era melhor que eu por ser
branca. E ela falou pra mim “olha pela... pra palma da sua mão, pelo menos
isso é branco em você, só isso é branco em você”. E eu tam... e tipo, hã... o
que mais aconteceu de discriminação racial comigo foi na infância, eu bem,
bem pequena. Eu lembro que uma menina chegou em mim e fez assim
na minha pele (passa o dedo no braço) “nossa, não sai”. Entendeu? Então,
de mães falarem pras outras crianças “não pega nada dela, não, porque a
mão dela é suja”. Então ééé... hoje em dia, ainda acontece essas coisas e o
pior que acontece com crianças dentro das escolas, né? Então, as crianças
não... não têm uma mente preparada pra receber aquilo e reagir. Então,
infelizmente, elas recuam e sofrem com aquele bullying. E o... a chave pra
não sofrer é falar, sabe?, pra você se libertar, seja bullying ou qualquer
tipo de preconceito, racial, seja religioso, por opção sexual, eu acho que a
gente tem que se libertar e falar, porque, quando uma história é contada,
é importante para que ela não se repita daquela forma ruim.
SG: Isso mesmo.
[...]
Serginho entrevista vítima de bullying. Altas horas. Rede Globo. Disponível em: . Acesso em: 17 maio 2018.
1. Na entrevista que você leu, a entrevistada fala da experiência de
bullying pela qual passou em uma escola onde estudava.
a) Que ações caracterizaram o bullying que ela sofreu?
As ofensas direcionadas a ela por professores e alunos, ridicularizando-a; as piadas que
muitos alunos fizeram com o nome dela e com tudo o que ela falava; alguns alunos jogarem lixo e
cuspirem nela, baterem na carteira dela e gritar-lhe palavrões; a recusa de conversarem com ela.
b) Segundo a entrevistada, os adultos foram coniventes com o
bullying, isto é, permitiram que acontecesse? Explique.
Sim. No começo da entrevista, Manoela diz que
não podia dizer nada que
era ridicularizada por professores e alunos. Além disso,
em vez de agirem a favor
dela, os professores pediam-
-lhe, apenas, que ela tivesse
paciência, porque, segundo
eles, o bullying acabaria
naturalmente.
c) Quais foram as consequências do bullying logo que a entrevistada começou a passar por essa situação?
A entrevistada não tinha mais vontade
de frequentar as aulas, chorava muito e não conseguia estudar nem fazer provas.
2. A entrevista foi concedida alguns anos após os acontecimentos relatados.
a) Em que época da vida dela ocorreu o episódio da "palma da mão",
que ela conta na última fala?
Quando ela era criança.
b) Por que, segundo ela, esse período da vida torna o enfrentamento
da situação mais difícil?
Porque a criança aceita a opinião alheia, não
consegue reagir.
c) O que a jovem pensa sobre o bullying na ocasião em que concede
a entrevista?
Ela entende que é fundamental denunciar os casos de bullying
ou de preconceito e que a história pela qual alguém está passando deve ser conhecida de todos para que não se repita.
d) Releia o trecho
“Então, infelizmente, elas recuam e sofrem com aquele bullying.”
Que palavra revela o ponto de vista da entrevista diante do que
ela relata?
O advérbio infelizmente.
3. Releia este trecho da entrevista.
“MS: Eu acredito que é a diferença. Como eu era a única negra,
negra mesmo, assumida da sala, eu acho que a diferença pode
ter é... dado pra eles uma oportunidade de tirar sarro daquilo,
entendeu? Então, eles começaram aaaa... tra... a fazer com que a
minha diferença fosse algo ruim dentro da sala de aula. E fizeram
eu acreditar que a minha diferença era algo ruim. Então, por eu ser
negra, por eu ter uma diferença socioeconômica deles...”
a) De acordo com a entrevistada, quais fatores foram responsáveis
pelo preconceito dos outros alunos contra ela?
O fato de ela ser negra e ter uma condição financeira inferior à deles.
b) Releia o início do trecho. A resposta foi formulada como certeza
ou hipótese? Comprove.
Como hipótese, conforme prova o uso de acredito,
que revela um julgamento, e não uma certeza.
c) Em sua opinião, o que ela quer dizer sobre os demais alunos
quando afirma que era a “única negra, negra mesmo, assumida
da sala”?
Resposta pessoal. Sugestão: Ela quer dizer que havia outros alunos de origem
negra (talvez com pele mais clara), mas que não assumiam sua negritude.
d) A entrevistada incluiu, nessa e em outras falas, comentários feitos
por outras pessoas. Que tipo de discurso ela usou?
O discurso direto.
e) Qual é a contribuição desse tipo de discurso para a compreensão
da narrativa?
O discurso direto torna a narrativa mais dinâmica e ajuda o
leitor a imaginar como aconteceram os atos de bullying e a intensidade do
sofrimento causado na jovem.
4. Atente agora para a estrutura do texto e para o tipo de interação que ele
propõe respondendo às questões a seguir.
Releia um dos trechos da transcrição da entrevista.
“SG: [...] A Manoela, a gente descobriu numa outra conversa. Ela estava
sentada aqui (apontando um lugar na plateia)... ali, e foi tão forte o que
ela disse que eu falei ‘pô, vou convidar de novo para ela contar melhor
essa história’, que é uma história de associação de bullying com racismo,
com preconceito racial. [...]
[...]
SG: Bom, você estudava numa escola, em Ribeirão Preto, numa escola
particular, foi isso?”
a) O que levou o apresentador de um programa de TV a escolher essa
jovem para ser entrevistada por ele?
A jovem já havia participado de um episódio anterior
do programa e, ao ouvir o
que ela disse na ocasião, o
apresentador teve vontade
de conhecer a história dela.
b) Observe que o apresentador não se refere ao mesmo interlocutor nas
duas falas. Identifique os diferentes interlocutores, explicando como
é possível perceber a mudança de um para o outro.
Os ouvintes são o público e a
entrevistada, respectivamente.
É possível perceber a mudança
de interlocutor pela maneira
como o apresentador se refere
a ele: na primeira fala, diz ela
e, na outra, você.
c) Verifique a rubrica incluída na transcrição. Por que ela é necessária?
As palavras aqui e ali não
fazem sentido sem a imagem,
por isso é preciso indicar seu
referente.
5. O conteúdo central da entrevista pode ser descrito como exposição
de um conhecimento especializado, relato de uma experiência pessoal
ou relato de um fato testemunhado?
Relato de uma experiência pessoal.
6. Você acha que houve interesse do público-alvo desse programa (jovens
e adolescentes) em conhecer a história de Manoela Sales? Explique.
Espera-se que os alunos
respondam que provavelmente sim, ao observar que
a experiência pessoal de Manoela estimula a reflexão e a
discussão dos temas bullying
e preconceitos racial e socioeconômico, além de servir
de inspiração para outras
crianças e adolescentes que
porventura vivam situações
semelhantes.
7. A entrevista é um diálogo. Em geral, qual dos interlocutores tem mais
tempo de fala? Por quê?
O entrevistado tem mais tempo de fala, já que as experiências dele ou as informações por ele apresentadas são o assunto da entrevista.
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