Interpretação de texto e atividade discursiva sobre o Romance de Miguel de Cervantes, Dom Quixote - com Gabarito.

Você lerá a adaptação de um trecho da obra considerada a precursora do gênero: Dom Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes, livro publicado em dois volumes, que viria a definir os rumos da prosa europeia e mundial.        

Então, você não pode ficar de fora dessa estatística! Leia um trecho da obra de Cervantes, adaptado pelo escritor brasileiro José Angeli.


 A incrível batalha contra os moinhos de vento 

    Depois de cavalgarem algumas horas, chegaram a um grande campo onde se viam entre trinta e quarenta moinhos de vento.

— A sorte vem-nos guiando melhor do que poderíamos desejar — disse Dom

Quixote, segurando seu cavalo. — Vê, meu fiel Sancho: diante de nós estão mais de trinta insolentes gigantes a quem penso dar combate e matar um por um.

Com seus despojos iniciaremos nossa riqueza, além de arrancar essas sementes ruins da face da terra. Essa é a ordem de Deus que devemos cumprir.

— Que gigantes? — perguntou Sancho Pança, que por mais que examinasse o terreno só via inocentes moinhos de vento agitando suas pás vagarosamente.

— Aqueles que aqui vês — respondeu o amo. — Têm os braços tão longos que alguns devem medir mais de duas léguas...

— Olhe bem, Vossa Mercê — contestou Sancho. — Aquilo não são gigantes e sim moinhos de ventos, e o que parecem braços são pás que, movidas pelo vento, fazem girar a pedra que mói os grãos.

— Bem se vê que não tens prática nessas aventuras. São gigantes, e, se tens medo, afasta-te daqui. O melhor é que fiques rezando enquanto me atiro a essa feroz e desigual batalha.

E, dizendo isso, esporeou o pangaré sem dar ouvidos ao escudeiro, certo de que combatia ferozes gigantes. — Não fujais, covardes e abjetas criaturas! Sois atacadas por somente um cavaleiro!

Enquanto galopava contra o primeiro moinho, o vento aumentou de intensidade, fazendo girar as pás com mais velocidade.

— Não adianta agitar os braços. Havereis de me pagar! — gritou, atirando-se contra o “inimigo” mais próximo, encomendando-se de todo o coração à sua senhora Dulcineia.

Foi a conta. Ao cravar a lança numa das pás do moinho, a força do impacto reduziu-a em pedaços, atirando longe cavalo e cavaleiro. Sancho Pança acorreu em socorro, seu alquebrado jumento troteando grotescamente.

— Valha-me Deus! — disse Sancho. — Não vos avisei que olhásseis bem para o que íeis fazer? Que eram moinhos e não gigantes? Como é que alguém pode-se enganar assim?

Enquanto ia falando, o escudeiro tentava levantar tanto o cavaleiro quanto o cavalo, pois o velho Rocinante continuava atordoado pela violência da pancada.

— Cala-te, amigo — respondeu Dom Quixote. — Esses são os azares da guerra. Eram gigantes, agora são moinhos. Essa foi mais uma picardia do sábio Frestão, aquele que roubou meus livros! Só assim poderia roubar-me a glória de tão magnífica vitória. Mas ainda tirarei vingança de suas artes diabólicas com a justeza de minha espada!

— Que Deus decida o que é melhor! — respondeu Sancho Pança sem entender nada, mas preocupado em recolocar o amo sobre seu cavalo.

Depois de novamente montado e relativamente em condições de manter-se assim, Quixote decidiu:

— Vamos para Porto Lápice. Lá encontraremos muitas e diferentes aventuras. Praticarei tantas ações de cavalaria que te sentirás o mais afortunado dos homens por poder testemunhar esses feitos. Serão coisas que só vendo para crer...

Apesar dos arranhões e escoriações sofridas, o que mais entristecia Dom Quixote era a perda de sua lança. Como poderia um cavaleiro andante seguir sem sua nobre arma? Enquanto cavalgava, seguido pelo fiel escudeiro, o fidalgo lembrou-se de que, outrora, o cavaleiro espanhol Diogo Peres de Vargas havia quebrado sua espada numa batalha e a substituíra por um grosso galho de carvalho. Assim armado, combatera e vencera muitos mouros, o que lhe valera a glória e o respeito de todos os seus descendentes.

— Farei o mesmo — disse ao criado. — E podes ter certeza de que me sairei tão bem quanto Dom Vargas.

— Se assim afirma Vossa Mercê, certamente assim será — respondeu humildemente o escudeiro. Depois, observando melhor o outro: — Vossa Mercê está ferido? Cavalga meio de lado como se sentisse alguma dor.

— Realmente estou um tanto dolorido. Só não me queixo porque isso não fica bem para um cavaleiro andante. Mesmo que minhas tripas estivessem saindo pelos ferimentos, jamais soltaria um ai sequer.

— Espero que as leis da cavalaria não sejam tão severas para com os escudeiros. Eu, quando ferido, mesmo um cortezinho à-toa, faço a maior choradeira do mundo.

Dom Quixote sorriu com a complacência dos verdadeiros heróis. Seu servo poderia gemer quanto quisesse. Nunca vira nada em contrário nas normas da cavalaria, que, aliás, não tratavam de assunto tão mesquinho.

Seguiram sua rota. Sancho Pança, escarrapachado sobre o lombo do jumento, mastigava algumas provisões que trazia nos alforjes, entremeadas por longos goles de vinho que chupava de uma botija. Dom Quixote, para não se rebaixar às simples necessidades humanas, pouco condizentes com os cavaleiros de sua casta, nada comeu. Disse não ter fome.

CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote: o cavaleiro da triste figura. Tradução e adaptação de José Angeli. São Paulo:nScipione, 2007. p. 36-39. (Série Reencontro).

Agora é hora de explorar o contexto apresentado no capítulo lido da obra Dom Quixote.

1. Para que o entendimento do texto aconteça de modo integral, verifique se há mais alguma palavra e/ou expressão cujo significado você desconheça, procure as respectivas definições e registre-as.

Resposta pessoal.

Professor, seria interessante estimular os alunos a procurar, pelo menos, três palavras e/ou expressões, pois, como se trata de um texto mais clássico, certamente a linguagem pode ser uma questão mais complexa nesse contexto.

2. Um romance clássico da literatura universal, Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, traz como protagonista um personagem inesquecível, imortalizado por leitores de todas as épocas. Certamente, Dom Quixote é um dos personagens mais conhecidos e admirados por leitores do mundo todo.

Releia este trecho do texto e, depois, responda ao que se pede.

Em uma de suas aventuras, acompanhado de seu fiel escudeiro, Sancho Pança, o nobre fidalgo declara: “—Vê, meu fiel Sancho: diante de nós estão mais de trinta insolentes gigantes a quem penso dar combate e matar um por um.”.

a) O que, de fato, havia na frente de Dom Quixote e de Sancho Pança?

Dom Quixote e Sancho Pança estavam diante de moinhos de vento.

b) Por que, pensando ter avistado “insolentes gigantes”, Dom Quixote decide atacar e acabar com cada um deles? Explique sua resposta.

Segundo Dom Quixote, ele e Sancho deveriam combater os “gigantes”, pois iniciariam suas riquezas com os despojos que sobrassem deles e, ainda, porque se tratava de uma ordem que ele recebera de Deus, que era acabar com o mal.

3. Leia o trecho a seguir.

Diante da decisão do cavaleiro, Sancho Pança rebate, dizendo: “— Olhe bem, Vossa Mercê [...]. Aquilo não são gigantes e sim moinhos de ventos, e o que parecem braços são pás que, movidas pelo vento, fazem girar a pedra que mói os grãos”.

O que a fala de Dom Quixote e a resposta de Sancho Pança, a respeito dos moinhos de vento, revelam sobre eles? Justifique sua resposta.

A fala dos dois personagens revela pessoas com comportamentos bastante distintos: Dom Quixote é um sonhador, que vive em meio aos seus delírios e fantasias, enquanto Sancho Pança, com toda sua simplicidade, demonstra ser um homem consciente da realidade.

4. Em certo ponto do capítulo, é possível ler:

— Não adianta agitar os braços. Havereis de me pagar! — gritou, atirando-se contra o “inimigo” mais próximo, encomendando-se de todo o coração à sua senhora Dulcineia.

a) Com base no trecho e no capítulo lido, defina: Qual é o foco narrativo da obra? E que tipo de narrador ela apresenta? Comente.

Conforme a leitura, é possível perceber que o foco narrativo encontra-se em 3ª- pessoa, e o narrador é um narrador observador, pois conta uma história da qual não participa, apenas observa e narra os fatos à medida que eles vão ocorrendo.

b) Considerando o acontecido e o excerto transcrito, responda: Por que o termo “inimigo” encontra-se entre aspas?

Diante da condição em que se encontra Dom Quixote e do fato de ele estar agindo em meio as suas alucinações e desequilíbrio, é possível chegar à conclusão de que o narrador está sendo irônico, pois não são gigantes, são moinhos de vento; portanto, não se trata de inimigos, mas apenas de mais um delírio do protagonista.

Explicar aos alunos que Frestão era um sábio feiticeiro, a quem Dom Quixote, na obra de Miguel de Cervantes, acusa de ter tentado roubar-lhe a glória da vitória na luta contra os “gigantes”, transformando-os em moinhos de vento.

5. Em determinado momento, Dom Quixote ataca os moinhos, pensando se tratar de gigantes, tem sua lança despedaçada e é jogado ao chão.

a) Após esse ato, ele reconhece que estava errado, que os gigantes eram apenas consequência de uma alucinação? Comprove sua resposta com um trecho do texto.

Não, Dom Quixote não reconhece que estava errado e afirma que o fato de estar diante de moinhos, no momento do ataque, é apenas um feitiço do seu desafeto Frestão. “Esses são os azares da guerra. Eram gigantes, agora são moinhos. Essa foi mais uma picardia do sábio Frestão, aquele que roubou meus livros! Só assim poderia roubar-me a glória de tão magnífica vitória.”.

b) Diante desse ato de loucura de Dom Quixote, qual é a reação de Sancho Pança, ou seja, como ele se comporta após essa cena? Explique.

Mesmo diante de toda a loucura de Dom Quixote, Sancho Pança mantém-se fiel ao cavaleiro, ajudando-o a recobrar a dignidade, colocando-o sobre o cavalo. Além disso, acaba entregando a situação nas mãos de Deus, clamando que Ele decida pelo melhor ao amo.

6. Depois da luta contra os moinhos e, de acordo com a possibilidade do momento, os dois personagens seguem sua rota. Releia o trecho em que esse momento é descrito.

Sancho Pança, escarrapachado sobre o lombo do jumento, mastigava algumas pro- visões que trazia nos alforjes, entremeadas por longos goles de vinho que chupava de uma botija. Dom Quixote, para não se rebaixar às simples necessidades humanas, pouco condizentes com os cavaleiros de sua casta, nada comeu. Disse não ter fome.

Em relação a essa atitude de Dom Quixote, o que se pode inferir sobre a condição de ser cavaleiro na época em que se passa o romance?

Pode-se inferir que a condição de cavaleiro da época exigia certa altivez e superioridade dos que assim se intitulavam.

7. Certos personagens da literatura mundial são considerados símbolos e, certamente, ficarão para sempre na memória dos amantes da literatura. Será que Capitu, da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, traiu ou não traiu Bentinho? A prisão de Jean Valjean, de Os miseráveis, de Victor Hugo, poderia ter sido evitada? Como Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, tornou-se o maior detetive de toda a literatura? E quanto a Dom Quixote, mais um personagem eternizado na literatura mundial, o que ele poderia simbolizar? Você o considera um louco ou um sonhador? Justifique sua resposta.

Espera-se que os alunos cheguem à conclusão de que, certamente, Dom Quixote, em função de suas crenças e de suas atitudes, poderia simbolizar o idealista, o sonhador, aquele que luta por seus ideais, mesmo que isso lhe custe a lucidez e o bom senso.

Após ter lido, analisado e interpretado um capítulo de Dom Quixote, que tal observar algumas nuances da linguagem desse episódio?

8. Mesmo sendo uma adaptação de um autor brasileiro contemporâneo, o capítulo que você leu da obra Dom Quixote apresenta uma linguagem mais formal e elaborada. Por que você acha que José Angeli optou por esse tipo de linguagem?

Sugestão de resposta: Provavelmente, José Angeli optou pela linguagem empregada em função de querer manter a adaptação feita o mais próximo possível do original, para que a obra adaptada não perdesse algumas características marcantes da obra original, a qual foi escrita em outro século, certamente, com uma linguagem formal, com um vocabulário mais erudito e até com palavras e/ou expressões que já caíram em desuso em função da dinamicidade da língua.

9. Analise o episódio lido e aponte algumas palavras e/ou expressões que não são mais usadas com frequência, seja na fala ou na escrita.

Sugestões de resposta: léguas, vossa mercê, pangaré, picardia, alforjes, botija, etc.

10. Classifique os trechos destacados nos excertos reproduzidos a seguir considerando a figura de linguagem predominante em cada um e explique sua escolha.

a) “[...] por mais que examinasse o terreno só via inocentes moinhos de vento agitando suas pás vagarosamente.”

Personificação ou prosopopeia, pois os moinhos de vento receberam uma característica humana, foram considerados inocentes.

b) “Essa foi mais uma picardia do sábio Frestão, aquele que roubou meus livros!”

Ironia, pois o que está sendo dito é o contrário do que Dom Quixote pensa a respeito de Frestão, uma vez que se trata de alguém que o roubara.

c) “Eu, quando ferido, mesmo um cortezinho à-toa, faço a maior choradeira do mundo.”

Hipérbole, pois há um exagero na fala de Sancho Pança para intensificar a ideia de que ele chora exageradamente, mesmo diante de um machucado leve e sem consequências.


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