O livro deveria estar na cesta básica

O escritor conta que não vê crianças com livros nas mãos nas escolas [...].

por Wilson Aquino

Edição 27.08.2014 - nº 233h5

Pintor, jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista e escritor. Ziraldo Alves Pinto – cujo nome é a combinação do apelido da mãe, Zizinha, com o nome do pai, Geraldo – completa 82 anos em outubro, mas nem de longe lembra um cansado octogenário às vésperas da aposentadoria. “Estou com uma disposição de cão.”, diz ele, um dos maiores nomes da literatura infantil brasileira, recordista de vendas de um único título “O Menino Maluquinho”, lançado em 1980 e com mais de três milhões de cópias vendidas.

Para as crianças, Ziraldo lança agora um livro sobre garotos de rua intitulado “Um Menino Chamado Raddysson e Mais os Meninos de Portinari”. A obra é ilustrada com fragmentos de quadros de Candido Portinari (1903-1962) e do mural “Jogos Infantis”, também do pintor brasileiro. Ziraldo explica a escolha do nome de seu personagem, um menino que nasceu na barriga da miséria: “Quando a mãe bota um nome desses no filho, ela quer dizer: não quero que meu filho seja um ‘Zé’ qualquer”.

ISTOÉ – O sr. autografa muito em escolas. Encontra pequenos leitores?

Ziraldo – Visito escolas e não vejo crianças com livro na mão. O que vejo é professora mal paga que luta por salário. Não tem ditado na escola fundamental brasileira, não tem mais caderno de caligrafia. Ninguém substitui o dedo pelo botão. A mão vai durar muitos séculos ainda. A letra é fundamental para poder se conectar com o cérebro.

ISTOÉ – Os livros não são valorizados?

Ziraldo – A família brasileira não dá livro de presente, dá CD. As pessoas têm que entender que quando você dá um livro de presente, dá um elogio junto. A sensação de quem recebe um livro é a de que a pessoa que deu confia nele e o acha inteligente. O livro é gênero de primeira necessidade e devia estar na cesta básica. É um alimento para a alma.


ISTOÉ – Seus personagens sempre foram lúdicos. Por que resolveu escrever sobre meninos de rua?

Ziraldo – Há muito tempo queria fazer uma história sobre eles. Mas, para falar sobre criança, você tem que entender profundamente o sentimento do personagem. Os meninos que descrevi nas minhas histórias ou são meninos que eu fui ou com quem convivi. Sei como se sentem, como sofrem, como reagem ao mundo. Agora, como o menino de rua sofre, como é impactado pela vida, como se julga no meio em que está vivendo, eu não sabia. Recorri às minhas lembranças de quatro décadas atrás, quando morava em Copacabana (zona sul carioca) e observava os meninos de rua. Tive certo cuidado para fazer a história, para evitar uma coisa sentimentaloide, de carregar na infelicidade dele. Mas era um menino que eu queria colocar na minha coleção de meninos.

ISTOÉ – E por que resolveu ilustrar com obras de Portinari, já que é ilustrador também?

Ziraldo – Porque uma das dificuldades que eu tinha era como ilustrar os meninos de rua. Afinal, fazer uma caricatura não ficaria bem. Mas, outro dia, fui ao prédio do Palácio Capanema, no Centro do Rio, e lá tem um mural do Candido Portinari (1903-1962) que se chama “Jogos Infantis”. O menino é muito presente na obra de Portinari. E nos “Jogos Infantis” está lá o garoto de rua pulando o muro, correndo da polícia. Tudo na visão de Portinari. Aí, acabei achando um caminho para contar a história de um grupo de meninos, em que o personagem principal se chama Raddysson.

ISTOÉ – Um menino de rua brasileiro com esse nome?

Ziraldo – É interessante. Você não encontra nas favelas ou nas periferias nenhuma criança chamada Pedro, Manoel, Antonio, Miguel. Nenhuma menina chamada Rita, Maria. É tudo Wadisson, Kellen, Raddysson, Riverson. Os nomes mais incríveis! E descobri que esses nomes são sinônimos da palavra esperança. Quando a mãe bota um nome desses no filho, ela quer dizer: não quero que meu filho seja um “Zé” qualquer. Os pais não sonham que o filho arrume um emprego. Eles têm um grande sonho: que a filha seja, por exemplo, uma musa do cinema. Daí a batizam de “Maynara Keller”.

ISTOÉ – Alguma história real o inspirou?

Ziraldo – No livro, tem uma menina chamada Rosykeller. Ela se salva porque sabe e gosta de ler [sic]. A história da Rosykeller foi pinçada da realidade. É uma menina que está se formando em medicina, em Cuba. Uma ex-menina de rua. Aí inventei a história dessa menina, o que a levou a gostar de ler, quem a ajudou. E essas são as únicas esperanças verdadeiras para essas crianças. Elas só se salvam se forem boas de bola, como o Raddysson, se aparecer alguém que as ajude ou se souberem ler. [...]

AQUINO, Wilson. Entrevista: Ziraldo “O livro deveria estar na cesta básica”. IstoÉ, edição n. 2335, 27 ago. 2014.Disponível em: <https://istoe.com.br/378984_O+LIVRO+DEVERIA+ESTAR+NA+CESTA+BASICA+/>.Acesso em: 19 fev. 2018.

1. Essa entrevista foi feita com Ziraldo, em 2014, ano em que ele lançava um livro sobre meninos de rua. Ele explica o motivo de ter escolhido um nome não muito comum para o personagem do seu livro. Qual foi o motivo?

Ele explica que “Quando a mãe bota um nome desses no filho [Raddysson], ela quer dizer: não quero que meu filho seja um ‘Zé’ qualquer”. Com isso, demonstra ter esperanças de que o filho tenha um futuro digno e brilhante.

2. Ziraldo faz uma crítica em relação ao fato de haver uma deficiência do ensino nas escolas em relação à escrita e ao aumento da relação das crianças com o digital. O que ele fala sobre isso?

Que o dedo não deve ser substituído pelo botão, ou seja, que a criança precisa aprender a escrever, e que a letra (a escrita) é fundamental para poder se conectar com o cérebro, ou seja, para o desenvolvimento do raciocínio.

3. Releia a seguinte fala de Ziraldo.

A família brasileira não dá livro de presente, dá CD. As pessoas têm que entender que quando você dá um livro de presente, dá um elogio junto. A sensação de quem recebe um livro é a de que a pessoa que deu confia nele e o acha inteligente. O livro é gênero de primeira necessidade e devia estar na cesta básica. É um alimento para a alma.

Você concorda com o cartunista? O que você acha de presentear e de ser presenteado com livros? Explique sua opinião.

Resposta pessoal.

4 Em uma de suas falas, Ziraldo diz: “Estou com uma disposição de cão”. Com que sentido ele empregou essa frase?

Com o sentido de demonstrar que está com muita disposição ainda para a vida e o trabalho.

5. Complete o quadro a seguir com as informações sobre a entrevista com Ziraldo.

Título:     O livro deveria estar na cesta básica.

Assunto principal:    O lançamento de um livro sobre meninos de rua.

Entrevistador:    IstoÉ (repórter da revista).

Entrevistado:    Ziraldo.

Quando foi publicada:  No dia 27/08/2014.  

Onde foi publicada:    No site da revista IstoÉ.

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