Leia um excerto da crônica “Coisas antigas”, de Rubem Braga, e resolva as questões propostas.



 Coisas antigas

Já tive muitas capas e infinitos guarda-chuvas, mas acabei me cansando de tê-los e perdê-los; há anos vivo sem nenhum desses abrigos, e também, como toda gente, sem chapéu. Tenho apanhado muita chuva, dado muita corrida, me plantado debaixo de muita marquise, mas resistido. Como geralmente chove à tarde, mais de uma vez me coloquei sob a proteção espiritual dos irmãos Marinho, e fiz de O Globo meu paraguas de emergência.

Ontem, porém, choveu demais, e eu precisava ir a três pontos diferentes de meu bairro. Quando o moço de recados veio apanhar a crônica para o jornal, pedi-lhe que me comprasse um chapéu-de-chuva que não fosse vagabundo demais, mas também não muito caro. Ele me comprou um de pouco mais de trezentos cruzeiros, objeto que me parece bem digno da pequena classe média, a que pertenço, (Uma vez tive um delírio de grandeza em Roma e adquiri a mais fina e soberba umbrella da Via Condotti; abandonou-me no primeiro bar em que entramos; não era coisa para mim.)

Depois de cumprir meus afazeres voltei para casa, pendurei o guarda-chuva a um canto e me pus a contemplá-lo. Senti então uma certa simpatia por ele; meu velho rancor contra guarda-chuvas cedeu lugar a um estranho carinho, e eu mesmo fiquei curioso de saber qual era a origem desse carinho.

[...]

O guarda-chuva tem resistido. Suas irmãs, as sombrinhas, já se entregaram aos piores desregramentos futuristas e tanto abusaram que até caíram de moda. Ele permaneceu austero, negro, com seu cabo e suas invariáveis varetas. De junco fino ou pinho vulgar, de algodão ou de seda animal, pobre ou rico, ele se tem mantido digno.

[...]

Não sei há quantos anos existe a Casa Loubet, na Rua Sete de Setembro. Também não sei se seus guarda-chuvas são melhores ou piores que os outros; são bons; meu pai os comprava lá, sempre que vinha ao Rio, herdei esse hábito.

Há um certo conforto íntimo em seguir um hábito paterno; uma certa segurança e uma certa doçura. Estou pensando agora se quando ficar um pouco mais velho não comprarei uma cadeira de balanço austríaca. É outra coisa antiga que tem resistido, embora muito discretamente. Os mobiliadores e decoradores modernos a ignoram; já se inventaram dela mil versões modificadas, mas ela ainda existe na sua graça e leveza original. É respeitável como um guarda-chuva me convém para resguardo da cabeça encanecida, e talvez o embalo de uma cadeira de balanço dê uma cadência mais sossegada aos meus pensamentos, e uma velha doçura familiar aos sonhos de senhor só.

BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro: Record, 1993.

1. O título da crônica, “Coisas antigas”, remete a que elementos? Explique a sua resposta considerando a leitura do texto.

O título da crônica nos remete à ideia de que há alguns objetos, como o chapéu, o guarda-chuva, o telefone ou o carro, por exemplo, que existem há muito tempo, por isso são considerados antigos, que mudam de forma, de cor, de estrutura, alguns resistem mais, outros menos, mas, de uma forma ou de outra, ainda estão em nosso meio.

2. Releia este período extraído da crônica e atente-se aos trechos destacados.

Depois de cumprir meus afazeres voltei para casa, pendurei o guarda-chuva a um canto e me pus a contemplá-lo. Senti então uma certa simpatia por ele; meu velho rancor contra guarda-chuvas cedeu lugar a um estranho carinho, e eu mesmo fiquei curioso de saber qual era a origem desse carinho.

a) Qual é a transitividade do verbo pendurar no excerto? Explique.

Trata-se de um verbo transitivo direto, cujo objeto direto é “o guarda-chuva”.

b) Em simpatia por ele, temos que tipo de regência? Justifique a sua resposta.

Em simpatia por ele há regência nominal, pois o substantivo simpatia tem como complemento o termo ele, ligado pela preposição por, ou seja, um complemento nominal.

3. Em “Não sei há quantos anos existe a Casa Loubet, na Rua Sete de Setembro. Também não sei se seus guarda-chuvas são melhores ou piores que os outros [...]”, os vocábulos destacados apresentam que tipo de relação semântica? Explique.

Os vocábulos melhores e piores são antônimos, pois são opostos entre si, têm sentidos contrários.

4. Classifique as orações coordenadas destacadas nos períodos a seguir.

a) “Já tive muitas capas e infinitos guarda-chuvasmas acabei me cansando de tê-los e perdê-los.”

Oração coordenada assindética.

b) “Uma vez tive um delírio de grandeza em Roma adquiri a mais fina e soberba umbrella da Via Condotti [...]”

Oração coordenada sindética aditiva.

c) “Os mobiliadores e decoradores modernos a ignoram [...], mas ela ainda existe na sua graça e leveza original.”

Oração coordenada sindética adversativa.

d) “[...] meu pai os comprava lá, sempre que vinha ao Rio, herdei esse hábito.”

Oração coordenada assindética.

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