Leia o texto, para responder às questões de números 01 a 09.

A sedução do Arlequim

Malandro, preguiçoso, astuto e dado a ser fanfarrão: eis a figura do Arlequim. Sedutor, ele tenta roubar a namorada do Pierrot, a Colombina.

Ele seduz porque é esperto (mais do que inteligente), ressentido (como quase todos nós), cheio de alegria (como desejamos) e repleto de uma vivacidade que aprendemos a admirar na ficção, ainda que um pouco cansativa na vida real. Como em todas as festas, admiramos o palhaço e, nem por isso, desejamos tê-lo sempre em casa.

Toda escola tem arlequim entre alunos e professores. Todo escritório tem o grande “clown”. Há, ao menos, um tio arlequinal por família. Pense: virá a sua cabeça aquele homem ou mulher sempre divertido, apto a explorar as contradições do sistema a seu favor e, por fim, repleto de piadas maliciosas e ligeiramente canalhas. São sempre ricos em gestos de mímica, grandes contadores de causos e, a rigor, personagens per- manentes. Importante: o divertido encenador de pantomimas necessita do palco compartilhado com algum Pierrot. Sem a figura triste do último, inexiste a alegria do primeiro. Em toda cena doméstica, ocorrem diálogos de personagens polariza- das, isso faz parte da dinâmica da peça mais clássica que você vive toda semana: “almoço em família”.

O Arlequim é engraçado porque tem a liberdade que o mal confere a quem não sofre com as algemas do decoro. Aqui vem uma maldade extra: ele nos perdoa dos nossos males por ser, publicamente, pior do que todos nós. Na prática, ele nos autoriza a pensar mal, ironizar, fofocar e a vestir todas as carapuças passivo-agressivas porque o faz sem culpa. O Arlequim é um lugar quentinho para aninhar os ódios e dores que eu carrego, envergonhado. Funciona como uma transferência de culpa que absolve meus pecadilhos por ser um réu confesso da arte de humilhar.

Você aprendeu na infância que é feio rir dos outros quando caem e que devemos evitar falar dos defeitos alheios. A boa educação dialogou de forma complexa com nossa sedução pela dor alheia. O que explicaria o trânsito lento para contemplar um acidente, o consumo de notícias de escândalos de famosos e os risos com “videocassetadas”? Nos- sos pequenos monstrinhos interiores, reprimidos duramente pelos bons costumes da aparência social, podem receber ligeira alforria em casos de desgraça alheia e da presença de um “arlequim”. Os seres do mal saem, riem, alegram-se com a dor alheia, acompanham a piada e a humilhação que não seria permitida a eles pelo hospedeiro e, tranquilos, voltam a dormir na alma de cada um até a próxima chamada externa.

Olhar a perversidade do Arlequim é um desafio. A mirada frontal e direta tem um pouco do poder paralisante de uma Medusa. Ali está quem eu abomino e, ali, estou eu, meu inimigo e meu clone, o que eu temo e aquilo que atrai meu desejo. Ser alguém “do bem” é conseguir lidar com nossos próprios demônios como única chance de mantê-los sob controle. Quando não consigo, há uma chance de eu apoiar todo Arlequim externo para diminuir o peso dos meus.

O autoconhecimento esvazia o humor agressivo dos outros. Esta é minha esperança.

(Leandro Karnal, A sedução do Arlequim. O Estado de S.Paulo, 26.12.2021. Adaptado)


1. De acordo com o texto, a figura do Arlequim

(A) expressa uma versão do mal incapaz de despertar culpa, pois seduz pelas próprias contradições.

(B) simboliza o ser humano em sua versão mais atraente, visto que cultiva irrestrita popularidade.

(C) representa alegoricamente sentimentos íntimos censurados por princípios e convenções.

(D) estimula as pessoas a se autocentrarem e cultivarem a alegria sem amarras ou rancores.

(E) resgata nas pessoas o ressentimento que elas tendem a expor publicamente. 


2. Do ponto de vista do autor,

(A) não há como se desvencilhar do fanfarrão maldoso que habita secretamente cada um de nós.

(B) se quisermos encontrar nosso lugar no mundo, temos de aprender a agir em família como um Arlequim.

(C) ser um Arlequim só depende de tomar conta da cena, fazendo graça e alegrando encontros dominicais.

(D) interessar-se por situações desagradáveis e ridículas é efeito da educação que recebemos em casa e na escola.

(E) há expectativa de que, tendo consciência de si, o indivíduo pode dissipar a jocosidade destrutiva alheia. 


3. O enunciado do texto que se expressa unicamente com palavras em sentido próprio é:

(A) A boa educação dialogou de forma complexa com nossa sedução pela dor alheia.

(B) Malandro, preguiçoso, astuto e dado a ser fanfarrão: eis a figura do Arlequim. Sedutor, ele tenta roubar a namorada do Pierrot, a Colombina.

(C) O Arlequim é engraçado porque tem a liberdade que o mal confere a quem não sofre com as algemas do decoro.

(D) Na prática, ele nos autoriza a pensar mal, ironizar, fofocar e a vestir todas as carapuças passivo-agressivas porque o faz sem culpa.

(E) O Arlequim é um lugar quentinho para aninhar os ódios e dores que eu carrego, envergonhado. 


4. Para responder às questões de números 04 e 05, considere a seguinte passagem.

Ele seduz porque é esperto (mais do que inteligente), ressenTido (como quase todos nós), cheio de alegria (como deseja- mos) e repleto de uma vivacidade que aprendemos a admirar na ficção, ainda que um pouco cansativa na vida real. Como em todas as festas, admiramos o palhaço e, nem por isso, desejamos tê-lo sempre em casa. 

As afirmações entre parênteses consistem em intervenções do autor pontuando

(A) expressões de neutralidade em relação ao assunto. 

(B) contestação das adjetivações precedentes.

(C) retificações de pontos de vista pouco consistentes. 

(D) acréscimos que expressam comparações.

(E) indicações de argumentos mais convincentes. 


5. O trecho em destaque na passagem pode ser substituí- do, sem prejuízo do sentido, por

(A)  ... entretanto um pouco cansativa na vida real. Assim em todas as festas...
    (B)  ... pois um pouco cansativa na vida real. De maneira que em todas as festas...
      (C)  ... contanto que um pouco cansativa na vida real. Igualmente em todas as festas...
        (D)  ... desde que um tanto cansativa na vida real. Efetivamente em todas as festas...
          (E)  ... embora um pouco cansativa na vida real. Tal qual em todas as festas...



          6.  Assinale a alternativa em que o trecho destacado na passagem – ... o divertido encenador de pantomimas necessita do palco compartilhado com algum Pierrot. Sem a figura triste do último, inexiste a alegria do primeiro. – está reescrito e expressando o sentido do original.

          (A) Inexiste a alegria desse, sem a figura triste deste. 

          (B) Sem a figura triste deste, inexiste a alegria daquele. 

          (C) Sem a figura triste dele, inexiste a alegria desse. 

          (D) Sem a figura triste de um, inexiste a alegria dele. 

          (E) Inexiste a alegria desse, sem a figura triste daquele. 


          7. Assinale a afirmação correta acerca das expressões astuto e fanfarrão, em destaque no primeiro parágrafo do texto.

          (A)  Astuto tem como antônimo espertalhão; fanfarrão tem como sinônimo palhaço.

          (B)  Astuto tem como sinônimo velhaco; fanfarrão tem como sinônimo destemido.

          (C)  Astuto tem como sinônimo matreiro; fanfarrão tem como antônimo comedido.

          (D)  Astuto tem como antônimo tolo; fanfarrão tem como antônimo bravateiro.

          (E)  Astuto tem como sinônimo sabichão; fanfarrão tem como antônimo bufão. 


          8. Assinale a alternativa que reescreve, nos colchetes, o trecho destacado, observando a norma-padrão de regência e emprego do sinal indicativo de crase.

          (A)  O Arlequim é engraçado porque tem a liberdade que o mal confere a quem não sofre com as algemas do decoro. [concede àquele que] 

          (B)  Os seres do mal saem, riem, alegram-se com a dor alheia, acompanham a piada e a humilhação... [perseguem à piada e à humilhação]

          (C)  Ser alguém “do bem” é conseguir lidar com nossos próprios demônios... [vir à lidar]

          (D)  ... o divertido encenador de pantomimas necessita do palco compartilhado com algum Pierrot. [busca à luz do palco]

          (E)  Os seres do mal saem, riem, alegram-se com a dor alheia... [festejam à dor alheia] 


          9. Assinale a alternativa que expressa, nos colchetes, construção de acordo com a norma-padrão de colocação pro- nominal, a partir de enunciados adaptados do texto.

          (A)  Funciona como uma transferência de culpa que revela meus pecadilhos e que absolve meus pecadilhos [absolve-os] 

          (B)  ...alegram-se com a dor alheia, fazem piada, acompanham a piada [acompanham-na]

          (C)  os seres do mal acompanham a humilhação que não seria permitida a eles pelo hospedeiro [seria-lhes permitida]

          (D)  o que eu temo, o que representa meu desejo e que atrai meu desejo.[ atrai-o]

          (E)  O Arlequim é engraçado porque representa a liberdade e porque tem a liberdade [tem-na] 


          10. Assinale a alternativa que apresenta enunciado redigido de acordo com a norma-padrão de concordância.

          (A) Em escolas podem haver bastante arlequins entre seus alunos e professores.

          (B) É fato que existe sempre na festa da família tios meio arlequinais.

          (C) Constatam-se frequentemente que nas empresas há os pseudos “clowns”.

          (D) Em quaisquer cenas domésticas, se revelam os arlequins que há nas diferentes famílias.

          (E) Quando rimos com as “videocassetadas”, por certo se tratam de nossos monstrinhos interiores que estão soltos. 



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