Leia mais uma crônica de Luis Fernando Verissimo, que o ajudará a exercitar, entre outros conteúdos, a colocação pronominal.
Papos
— Me disseram...
— Disseram-me.
— Hein?
— O correto é “disseram-me”. Não “me disseram”.
— Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é “digo-te”?
— O quê?
— Digo-te que você...
— O “te” e o “você” não combinam.
— Lhe digo?
— Também não. O que você ia me dizer?
— Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
— Partir-te a cara.
— Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
— É para o seu bem.
— Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender.
Mais uma correção e eu...
— O quê?
— O mato.
— Que mato?
— Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
— Eu só estava querendo...
— Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
— Se você prefere falar errado...
— Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
— No caso... não sei.
— Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
— Esquece.
— Não. Como “esquece”? Você prefere falar errado? E o certo é “esquece” ou “esqueça”? Ilumine-me.
Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
— Depende.
— Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
— Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
— Agradeço-lhe a permissão para falar errado que me dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
— Por quê?
— Porque, com todo este papo, esqueci-lo.
VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Apres. e sel. de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
1. Já no início da crônica, é possível perceber que dois personagens travam uma discussão. Que motivo gera essa discussão? Explique a sua resposta.
A discussão tem início em função da colocação pronominal, pois as pessoas envolvidas na conversa não concordam quanto ao uso da próclise, da ênclise e da mesóclise.
2. A primeira fala de um dos personagens, “– Me disseram...”, já é questionada pelo segundo participante da conversa. Por que motivo isso acontece?
O interlocutor questiona essa frase, pois considera a colocação pronominal em consonância com a norma-padrão, a qual estabelece que, com o verbo no início da frase, o pronome deve ser enclítico, ou seja, deve ficar depois do verbo.
3. Releia: “– Eu falo como quero. E te digo mais… Ou é ‘digo-te’?”. No momento dessa fala, o que o personagem que se coloca contra as regras da colocação pronominal demonstra?
Nesse momento, o personagem que se coloca contra as regras da colocação pronominal demonstra insegurança em relação às suas convicções, pois parece estar confuso, a ponto de questionar a si mesmo o uso correto do pronome oblíquo “te”.
4. No excerto “– Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?”, a forma “matar-lhe-ei-te”, além de exagerada, está adequada sintaticamente? Justifique a sua resposta, considerando os conceitos apreendidos.
A forma “matar-lhe-ei-te” está incorreta, pois o verbo matar está acompanhado de dois complementos verbais, dois objetos, que estão representados pelos pronomes oblíquos átonos “lhe” e “te”.
Professor, se considerar importante e necessário neste momento, comentar que o verbo “matar”, além de literariamente ser um recurso expressivo do autor, sintaticamente é transitivo direto, portanto, deve ter como complemento o pronome oblíquo “o”.
5. Analise os períodos a seguir, classifique a colocação pronominal apresentada e comente se ela está adequada ou não, justificando sua resposta.
a) “Vê se esquece-me.”
Trata-se de uma ênclise empregada incorretamente em razão da palavra atrativa “se”. O correto seria o emprego da próclise “Vê se me esquece.”.
b) “Não o sabes?”
Trata-se de uma próclise, empregada adequadamente, pois o “não” é uma palavra negativa que atrai o pronome oblíquo “o” para antes do verbo.
c) “Ilumine-me. Me diga.”
No primeiro caso, a ênclise está correta, pois, com o verbo “ilumine” no início da frase, o pronome oblíquo “me” deve ficar depois dele. No segundo caso, a próclise está incorreta, pois, de acordo com a norma-padrão, não se deve iniciar uma frase com pronome oblíquo.
6. Por fim, esse texto de Luis Fernando Verissimo trata, de forma bem-humorada, da adequação ou não, por parte dos falantes, ao uso da colocação pronominal.
Qual parece ser a intenção do cronista ao tratar desse assunto?
Por ser uma crônica ficcional, que trata de um bate-papo informal, ou seja, de uma questão da fala, ela tem a intenção de mostrar que a preocupação em excesso com relação a algumas questões gramaticais, no tocante à língua falada, pode atrapalhar a comunicação entre as pessoas.
Postar um comentário