Leia estes textos, em que se aborda a aprovação pelo MEC do livro “Por uma vida melhor” e se discutem questões relacionadas ao ensino da língua materna:

Texto 1

Falando errado

Morro e não consigo ver tudo. Na quadra da vida em que nos encontramos, esta expressão popular se torna latente. O Ministério da Educação aprova o uso do livro “Por uma vida melhor”, da “Coleção Viver, Aprender”, cujo conteúdo ensina o aluno a falar errado. É isso mesmo! A justificativa tem uma certa pompa ao criar um novo apêndice linguístico, quando fundamenta que o aluno do ensino fundamental deve aprender a usar a “norma popular da língua portuguesa”. Os autores da obra defendem o uso da “língua popular” afirmando que a “norma culta não leva em consideração a chamada língua viva”. Ora, ora! Temos, aí, tempos revolucionários, que implicam novas regras na comunicação e expressão. Há poucas semanas foi o surgimento de projeto de lei que determina a extinção de palavras estrangeiras em escritas oficiais e em publicidades. Agora, em documento oficial – um livro aceito pelo MEC –, escreve-se errado para ensinar a falar errado. Assim sendo, não poderemos criticar a [...] quantidade de lastimáveis programas no horário nobre da televisão e outras barbaridades perpetradas à cultura brasileira.

SANTOS, Milton. Jornal do Comércio, 17/5/2011. Disponível em: <http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=62332>.[Fragmento]. Acesso em: 20 jun. 2011.

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Texto 2

Polêmica ou ignorância?

Discussão sobre livro didático só revela ignorância da grande imprensa

[...] Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. [...]

Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. [...]

Nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.

O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?

BAGNO, Marcos. Disponível em: <http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745>. [Fragmento]. Acesso em: 20 jun. 2011.

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1. Explicite o ponto de vista defendido em cada texto e cite argumentos que os autores mobilizam para defender sua posição.

Milton Santos, lançando mão da ironia, critica a distribuição do livro Por uma vida melhor no ensino público. Para o autor, o conteúdo veiculado pela obra ensinaria os alunos a falar “errado”. De acordo com Santos, isso poderia agredir a cultura brasileira, tão desconsiderada nos contextos midiáticos. Por sua vez, Marcos Bagno destaca o preconceito da posição de Santos, pois a obra Por uma vida melhor só inclui na escola as variedades linguísticas desprestigiadas pelas gramáticas, para valorizar as variedades das “classes populares” como arcabouço sócio-histórico também.

2. No final do texto 2, o autor cita a fala de um jornalista como exemplo que contraria a gramática normativa. Identifique a regra gramatical a que se refere o autor e explique por que ela não foi respeitada na fala do jornalista citado.

Na pergunta “Como é que fica então as concordâncias?”, Carlos Monforte não respeita uma das regras da gramática normativa que demanda concordar-se o verbo com o seu sujeito.

3. Reescreva a frase do jornalista, de modo a adequá-la à norma-padrão do português.

Como é que ficam, então, as concordâncias?.

4. Explique por que o autor do texto qualifica a situação de emprego da frase do jornalista como “divertida”.

Marcos Bagno assinala ironicamente a transgressão gramatical de uma pessoa que defende acirradamente a adequação da fala às regras impostas pela gramática normativa e diverte-se com a evidente contradição.


(Unifesp) Leia o texto.

A nossa instrução pública, cada vez que é reformada, reserva para o observador surpresas admiráveis. Não há oito dias, fui apresentado a um moço, aí dos seus vinte e poucos anos, bem-posto em roupas, anéis, gravatas, bengalas, etc. O meu amigo Seráfico Falcote, estudante, disse-me o amigo comum que nos pôs em relações mútuas.

O Senhor Falcote logo nos convidou a tomar qualquer coisa e fomos os três a uma confeitaria. Ao sentar-se, assim falou o anfitrião:

— Caxero, traz aí quarqué cosa de bebê e comê.

Pensei de mim para mim: esse moço foi criado na roça, por isso adquiriu esse modo feio de falar. Vieram as bebidas e ele disse ao nosso amigo:

— Não sabe Cunugunde: o veio tá i.

O nosso amigo comum respondeu:

— Deves então andar bem de dinheiros.

— Quá ele tá i nós não arranja nada. Quando escrevo é aquela certeza. De boca, não se cava... O veio oia, oia e dá o fora.

[...]

Esse estudante era a coisa mais preciosa que tinha encontrado na minha vida. Como era ilustrado! Como falava bem! Que magnífico deputado não iria dar? Um figurão para o partido da Rapadura.

O nosso amigo indagou dele em certo momento:

— Quando te formas?

— No ano que vem.

Caí das nuvens. Este homem já tinha passado tantos exames e falava daquela forma e tinha tão firmes conhecimentos!

O nosso amigo indagou ainda:

— Tens tido boas notas?

— Tudo. Espero tirá a medaia.

(Lima Barreto. Quase doutor.)

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5. Tendo em vista o conceito contemporâneo de variação linguística, que ensina a considerar de maneira equânime as diferentes formas do discurso, avalie a atitude do narrador em relação à personagem Falcote, expressa na seguinte frase: (...) esse moço foi criado na roça, por isso adquiriu esse modo feio de falar.

A gramática normativa impõe uma norma baseada na noção de correto, e é dessa perspectiva que o narrador-personagem encara o falar de Falcote. Revela, então, um grande preconceito linguístico, desconsiderando as variedades não padrão, dentre as quais Falcote trazia a de pessoas de regiões agrícolas ou sem instrução formal.

6. Reescreva na norma-padrão – Caxero, traz aí quarqué cosa de bebê e comê e em seguida transcreva um trecho da crônica em que se manifesta a atitude irônica do narrador.

Na norma-padrão, esse trecho poderia ser transcrito como: “Caixeiro (Garçom), traga-nos alguma coisa de beber e comer". O narrador-personagem reflete com ironia no trecho em que qualifica muito positivamente a forma de falar de Falcote, a ponto de considerá-lo um ótimo candidato a deputado (“Como era ilustrado! Como falava bem! Que magnífico deputado não iria dar? Um figurão para o partido da Rapadura”), e também quando se diz surpreso pelos conhecimentos adquiridos ao longo da sua formação acadêmica (“Este homem já tinha passado tantos exames e falava daquela forma e tinha tão firmes conhecimentos”).

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