Leia esta crônica de Rachel de Queiroz para responder às atividades propostas.


Assim caminha a humanidade

Há muito que penso nisso e muitas pessoas devem ter pensado a mesma coisa. Mas ninguém fala, ninguém diz nada. Por que, não o sei. Trata-se do automóvel. Essa maravilha mecânica, o veículo revolucionário que acabou com os carros de tração animal e expulsou o trem urbano para os longos percursos.

E agora esse totem da nossa era, o automóvel, também chega ao seu fim, transforma-se num veículo obsoleto. Não serve mais. A finalidade a que se destinava, nas áreas urbanas, transporte individual, rápido, seletivo, perdeu o sentido.

Você, hoje, para transpor alguns poucos mil metros, da sua casa para o centro, leva o mesmo tempo que gastaria se fosse caminhando. As ruas de todas as cidades do mundo – pequenas, médias, grandes (ou imensas, como São Paulo e Nova Iorque) – vivem atravancadas por essas tartarugas ninjas, andando a passo, sim, de tartaruga mesmo, cada uma ocupando um espaço que vai de 10 a 12 metros quadrados, e transportando, na sua grande maioria, só uma ou duas pessoas, no máximo três, se houver o motorista.

Arrogante. Nas suas janelas de cristal, na pintura luzidia, nos metais polidos, o automóvel é, acima de tudo, um monstro de egoísmo. A área que ele exige para si, na via pública, em vez de dois personagens lhe ocupando os assentos, daria para, no mínimo, três bancos de três pessoas, folgadamente instaladas. Quem vem, aqui no Rio, da Barra da Tijuca ao Centro, tem que se inserir, logo na Avenida das Américas, num imenso compacto cortejo, andando em velocidade de enterro (qual enterro, já vi enterro marchando em muito maior velocidade!) e carregando todos juntos, um contingente de pessoas que caberia folgadamente dentro de um trem suburbano. E em meio de buzinadas, palavrões, batidas de para-choques ou outros incidentes mais graves, só vai alcançar o seu destino – se der sorte – dentro de, no mínimo, hora e meia.

É, temos de livrar as ruas disso que Macunaíma chamava ‘a máquina veículo automóvel’. O carro puxado a cavalos também não desapareceu, por obsoleto? Hoje nem a rainha da Inglaterra o emprega, prefere os seus reluzentes Rolls-Royces. Tal como não se podia mais suportar o atropelo e a sujeira dos cavalos, das lerdas carruagens do fim do século XIX, assim também o automóvel acabou.

Há que substituí-lo por um transporte coletivo de qualidade, rápido, limpo, confortável. Metrôs, ou mesmo grandes veículos de superfície, sei lá. A cabeça dos técnicos já deve estar trabalhando, a dos urbanistas, a dos chamados cientistas sociais.

Hoje em dia, leva-se mais tempo viajando de casa para o trabalho do que no trabalho propriamente dito. E, como os patrões exigem as suas oito horas, tem-se que sair de casa em plena madrugada, chegar em casa depois das dez da noite. Quem mora em subúrbio conhece essa tragédia. Os ônibus mesmo, que poderiam ser um grande recurso, têm os seus espaços disputados furiosamente pelos carros e se embaralham, retardam e engarrafam na confusão geral.

Quem sabe vai-se recorrer ao transporte aéreo, grandes helicópteros que seriam como ônibus voadores, pousando em heliportos arranjados nos tetos dos grandes edifícios? Não sei... porque logo apareceriam helicópteros particulares, cada executivo teria o seu, de luxo, importado. O que, aliás, já está acontecendo. Eu mesma já viajei num desses, a convite de um amigo.

Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os as- saltos, os sequestros, os meninos de rua, as favelas e as demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então a solução seria mesmo acabar com os próprios grandes ajuntamentos urbanos. Voltar todo mundo a se espalhar pelo campo, só procurando os centros quando a natureza do seu trabalho o exigisse.

Até que o campo se deteriorasse também – já que esse é o destino do homem sobre a terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou.

QUEIROZ, Rachel de. Assim caminha a humanidade. In: ______ . Deixa que eu conto. São Paulo: Global, 2003.

1. Qual é o tema abordado na crônica “Assim caminha a humanidade”?

O tema abordado é o automóvel e o trânsito conturbado das grandes cidades.

2. Qual é a opinião do eu do cronista a respeito do automóvel?

Segundo o eu do cronista, o automóvel vai acabar, vai deixar de existir.

3. Por que, segundo as ideias sustentadas pelo narrador, o ser humano age de maneira incorreta? Comente sua resposta.

O narrador considera que os seres humanos não sabem mais como conviver com outras pessoas, com o que é bom, enfi m, eles não aproveitam a vida. E isso acontece porque as pessoas só pensam nelas mesmas. Hoje, não é muito comum as pessoas cuidarem do ambiente, da natureza, enfim, de tudo aquilo que as cerca, pois o individualismo é uma característica que tem acompanhado grande parte das pessoas.

4. Depois de ler e de analisar essa crônica, responda: você concorda com a opinião do eu do cronista? Por quê?

Resposta pessoal.

5. Justifique a pontuação dos trechos retirados da crônica “Assim caminha a humanidade”, de Rachel de Queiroz.

a) “Trata-se do automóvel.” (ponto-final)

O ponto-final encerra a ideia contida no período.

b) “E agora esse totem da nossa era, o automóvel, também chega ao seu fim [...].” (vírgulas)

As vírgulas isolam o aposto.

c) “Nas suas janelas de cristal, na pintura luzidia, nos metais polidos, o automóvel é, acima de tudo, um monstro de egoísmo.” (primeira vírgula)

A vírgula isola o adjunto adverbial de lugar.

d) “[...] (qual enterro, já vi enterro marchando em muito maior velocidade!) [...]”. (ponto de exclamação)

O ponto de exclamação dá ênfase ao contexto.

e) “Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os sequestros, os meninos de rua, as favelas e as demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos?” (ponto de interrogação)

Finaliza uma pergunta, um questionamento.

f) “Até que o campo se deteriorasse também – já que esse é o destino do homem sobre a terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou.” (travessão e dois-pontos)

O travessão separa uma oração principal de uma oração subordinada adverbial causal. Os dois-pontos introduzem uma explicação.

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