Considere o texto para responder às questões a seguir:

Os enunciados de uma obra científica e, na maioria dos casos, de notícias, reportagens, cartas, diários etc., constituem juízos, isto é, as objectualidades puramente intencionais pretendem corresponder, adequar-se exatamente aos seres reais (ou ideias, quando se trata de objetos matemáticos, valores, essências, leis etc.) referidos. Fala-se então de “adaequatio orationis ad rem”. Há nestes enunciados a intenção séria de verdade. Precisamente por isso pode-se falar, nestes casos, de enunciados errados ou falsos e mesmo de mentira e fraude, quando se trata de uma notícia ou reportagem em que se pressupõe intenção séria.

O termo “verdade”, quando usado com referência a obras de arte ou de ficção, tem significado diverso. Designa com frequência qualquer coisa como a genuinidade, sinceridade ou autenticidade (termos que, em geral, visam à atitude subjetiva do autor); ou a verossimilhança, isto é, na expressão de Aristóteles, não a adequação àquilo que aconteceu, mas àquilo que poderia ter acontecido; ou a coerência interna no que tange ao mundo imaginário das personagens e situações miméticas; ou mesmo a visão profunda – de ordem filosófica, psicológica ou sociológica – da realidade. Até neste último caso, porém, não se pode falar de juízos no sentido preciso. Seria incorreto aplicar aos enunciados fictícios critérios de veracidade cognoscitiva. [...] Os mesmos padrões que funcionam muito bem no mundo mágico-demoníaco do conto de fadas revelam-se falsos e caricatos quando aplicados à representação do universo profano da nossa sociedade atual [...]. “Falso” seria também um prédio com portal e átrio de mármore que encobrissem apartamentos miseráveis. É esta incoerência que é “falsa”. Mas ninguém pensaria em chamar de falso um autêntico conto de fadas, apesar de o seu mundo imaginário corresponder muito menos à realidade empírica do que o de qualquer romance de entretenimento.

ROSENFELD, Anatol. Literatura e personagem. In: CANDIDO, A. et al. A personagem de ficção. 10. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

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1. Para responder a essa questão, leia também os seguintes textos:

I

Velha palmeira solitária, testemunha sobrevivente do drama da conquista, que de majestade e de tristura não exprimes, venerável epônimo dos campos! No meio da campina verde, de um verde esmaiado e merencório, onde tremeluzem às vezes as farinhas douradas do alecrim do campo, tu te ergues altaneira, levantando ao céu as palmas tesas – velho guerreiro petrificado em meio da peleja! 

Afonso Arinos, Buriti perdido. Pelo sertão.

II

E o destaque é a palmeira buriti, abundante no cerrado e indicativo infalível da existência de água. Uma espécie majestosa, com mil e uma utilidades: da polpa do seu fruto são feitos doce, suco, geleia e licor; do caroço, sai um óleo com propriedades medicinais, também usado para cozinhar e fazer sabão; o tronco e a palha servem para construir casas; e o talo das folhas é usado na construção de móveis e brinquedos.

Lugar. Revista da Folha. Folha de S.Paulo, junho de 2009.


a) Algum conceito presente no texto de Anatol Rosenfeld pode ser utilizado para distinguir o texto l do texto II acima? Justifique.

O conceito de “verdade”, apresentado por Rosenfeld, diferencia o primeiro texto, literário, do segundo, jornalístico. No primeiro, predomina a linguagem conotativa, apresentando a “verdade subjetiva” sobre a palmeira. No segundo, predomina a denotação, pois o texto é jornalístico.

b) Além do vocabulário, que outro aspecto da linguagem pode servir para classificar o texto I como literário e o texto II como jornalístico?

O caráter literário do texto I fica evidente pelo uso da linguagem figurada e os adjetivos: “Velha palmeira solitária, testemunha sobrevivente do drama da conquista“; “tu te ergues altaneira, levantando ao céu as palmas tesas”. A linguagem denotativa foi usada no texto II, caracterizando-o como jornalístico.


2. Atenda ao que se pede:

a) A natureza do texto justifica a citação da frase latina, tendo em vista que ela é corrente em textos de Retórica? Justifique sua resposta.

Sim, pois a expressão latina Adaequatio orationis ad rem refere-se à adequação da linguagem usada nos diferentes tipos de texto, isto é, a linguagem de um texto jornalístico será diferente da linguagem de um texto técnico.

b) No contexto, o que se entende por “situações miméticas” (2º parágrafo)?

A expressão “situações miméticas” indica a reprodução de situações de forma verossímil, ou seja, a recriação harmônica entre os elementos fantasiosos ou imaginários que são determinantes no texto.

3. Considerando os conceitos e argumentos presentes no texto, responda:

a) Qual é o tema principal do texto de A. Rosenfeld? Responda com apenas uma frase.

Rosenfeld analisa o conceito de “verdade” nos diferentes tipos de texto: um texto literário é mais subjetivo, enquanto um texto científico é mais objetivo, porque pretende transmitir conhecimento.

b) Por que, segundo o texto, um autêntico conto de fadas não pode ser considerado falso e um romance de entretenimento, sim? Responda sucintamente.

Um autêntico conto de fadas não se vincula com a realidade, mas o romance de entretenimento é uma “representação do universo da nossa sociedade atual”.


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