Leia o conto “O direito de não amar”, de Lygia Fagundes Telles.

O direito de não amar 

Se o homem destrói aquilo que mais ama, como afirma Oscar Wilde, a vontade de destruição se aguça demais quando aquilo está amando um outro. O egoísmo, sem dúvida o traço mais poderoso de qualquer sexo, transborda então intenso e borbulhante como água em pia entupida, artérias e canos congestionados na explosão aguda: “Nem comigo nem com ninguém!” Deste raciocínio para o tiro, veneno ou faca, vai um fio.

A segunda porta foi a que escolheu aquele meu colega de Academia quando descobriu que a pior das vinganças é não matar, mas deixar o objeto amado viver, viver à vontade, “pois que ela viva!” – decidiu ele na sua fúria vingativa.

Amou-a perdidamente. Acho que nunca vi ninguém amar tanto assim, talvez com a mesma intensidade com que ela amava o primo, disse isso mesmo numa hora de impaciência, estou apaixonada por outro, quer ter a bondade de desaparecer da minha frente? Mas o meu colega (vinte anos?) acreditava na luta e como ele lutou, meu Deus, como ele lutou! Tentou conquistá-la com presentes, era rico. Depois, com intermináveis poemas de amor, era poeta. Na fase final, no auge da cólera – era violento – começou com as ameaças. Ela guardou os presentes, rasgou os poemas, fez a queixa a um tio que era delegado da seção de homicídios e foi cair nos braços do primo sem os recursos da rima e dos diamantes, mas que conseguia fazê-la palpitar mais branca e perfumada do que a açucena do campo. 

Meu colega dava murros nas paredes, nos móveis. Puxava os cabelos, “ela não tem o direito de me fazer isso!” Com a débil voz da razão, tentei dizer-lhe que ela bem que tinha esse direito de amar ou não amar, vê se entende essa coisa tão simples! Mas ele era só ilogicidade e desordem: “Vou lá, dou-lhe um tiro no peito e me mato em seguida!” – jurou. Mas a tantos repetiu esse juramento que fiquei mais tranquilizada, com a esperança de que a energia canalizada para o ato acabaria se exaurindo nas palavras. 

O que aconteceu. Uma noite me procurou todo penteado, todo contido, com um sorrisinho no canto da boca, meio sinistro, mas lúcido: “Achei uma solução melhor”, foi logo dizendo. “Vou ficar quieto, que se case com esse tipo, ótimo que se casem depressa porque é nesse casamento que está minha vingança. No casamento e no tempo. Se nenhum casamento dá certo, por que o deles vai dar? Vai ser infeliz à beça! Pobre, com um filho debiloide, já andei investigando tudo, ele tem retardados na família, ih! O quanto ela vai se arrepender, por que não me casei com o outro? Vai ficar gorda, tem propensão para engordar e eu estarei jovem e lépido porque sou esportista e rico, vou me conservar, mas ela, velha, obesa, ô delícia!” 

Há ainda uma terceira porta, saída de emergência para os desiludidos do amor, não, nada de matar o objeto da paixão ou esperar com o pensamento negro de ódio que ela vire uma megera jogando moscas na sopa do marido hemiplégico, mas renunciar. Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono (difícil, hem!) ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. E desejar ao menos que ela seja feliz.


TELLES, Lygia Fagundes. A disciplina do amor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 118-119 - adaptado.


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1. O conto de Lygia Fagundes Telles apresenta a temática do amor não correspondido e das possibilidades de reação perante essa circunstância. Segundo a narradora, há três saídas para resolver uma questão como essa. Quais são elas? Confirme a sua resposta apresentando trechos do texto.

Conforme a narradora, a primeira saída seria reagir com violência, considerando o egoísmo como um fundamento para isso: “'Nem comigo nem com ninguém!’ Deste raciocínio para o tiro, veneno ou faca, vai um fio”. A segunda possibilidade seria abdicar do ser amado, mas com o intuito de vingança, rogando todas as pragas possíveis: “’Vou ficar quieto, que se case com esse tipo, ótimo que se casem depressa porque é nesse casamento que está minha vingança.’ [...]”. E a última saída seria desistir sem guardar nenhuma mágoa: “Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono (difícil, hem!) ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. E desejar ao menos que ela seja feliz”.

2. De todas essas possibilidades, qual foi a escolhida pelo colega de Academia da narradora? Justifique a sua resposta.

O colega de Academia da narradora decidiu deixar a pessoa amada viver a vida que escolheu, amar quem ela escolheu. No entanto, tomou essa decisão em função de acreditar que justamente nessa escolha estaria a sua vingança, pois tudo daria errado: “Se nenhum casamento dá certo, por que o deles vai dar? Vai ser infeliz à beça! Pobre, com um filho debiloide, já andei investigando tudo, ele tem retardados na família, ih!”.

3. A desilusão amorosa era tanta que o personagem masculino desse infortúnio sentimental vivia a pro- clamar: “Vou lá, dou-lhe um tiro no peito e me mato em seguida!”. Entretanto, essa fala não assustava a narradora. Por quê? Para responder a essa questão, escolha o provérbio adequado:

(     ) “Procure me amar quando menos mereço, pois é quando mais preciso.”

(     ) “Quem tudo quer, tudo perde.”

( X ) “Cão que ladra não morde.”

Agora, justifique a sua escolha.

Segundo a narradora, seu colega falava muito, mas, certamente, não faria nada: “Mas a tantos repetiu esse juramento que fiquei mais tranquilizada, com a esperança de que a energia canalizada para o ato acabaria se exaurindo nas palavras”. Professor, ressalte aos alunos que neste trecho do texto que justifica o provérbio há uma oração subordinada adverbial consecutiva: “Mas a tantos repetiu esse juramento que fiquei mais tranquilizada [...]”.

4. Classifique as orações destacadas no excerto a seguir:

Se o homem destrói aquilo que mais ama, como afirma Oscar Wilde, a vontade de destruição se aguça demais quando aquilo está amando um outro.

A primeira oração corresponde a uma oração subordinada adverbial conformativa. A segunda, a uma oração subordinada adverbial temporal.

5. Agora, explique a relação de sentido que essas orações imprimem no contexto em que foram empregadas.

A primeira oração confere ao contexto uma noção de conformidade, pois indica o critério de acordo com o qual se realiza o fato expresso na oração principal. Já a segunda oração localiza no tempo o fato expresso na oração principal.

6. Classifique as duas orações destacadas no excerto a seguir.

Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono (difícil, hem!) ainda tenha forças / para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. E desejar ao menos que ela seja feliz.

A primeira oração corresponde a uma oração subordinada adverbial comparativa. A segunda, a uma oração subordinada adverbial final reduzida de infinitivo.

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