A luta pelos direitos humanos moveu pessoas em diferentes tempos e lugares. No texto a seguir há informações sobre um homem que foi exemplo para toda a humanidade em virtude da sua luta contra a discriminação racial na África do Sul, Nelson Mandela. Ele liderou com todas as suas forças uma luta não violenta contra o regime racista apartheid. Você conhece a história de Mandela?

Fora a vida, um temperamento forte e uma conexão permanente com a casa real de Thembu, o único presente que meu pai me deu quando nasci foi um nome, Rolihlahla. Em Xhosa, Rolihlahla significa literalmente “arrancando o galho de uma árvore”, mas coloquialmente, o significado mais preciso seria “encrenqueiro”. Não acredito que nomes são destinos ou que meu pai, de alguma forma, previa o meu futuro, mas anos mais tarde, amigos e parentes atribuiriam ao meu nome de nascença as muitas tempestades que tenho ao mesmo tempo causado e enfrentado.

Meu nome mais conhecido em Inglês não me foi dado até o meu primeiro dia de aula. Mas estou me precipitando.

Nasci no dia dezoito de julho de 1918, em Mvezo, uma pequena aldeia às margens do rio Mbashe no distrito de Umtata, a capital do Transkei.

[...]

Meu pai, Gadla Henry Mphakanyiswa, era um chefe tribal tanto por sangue como por tradição. Ele foi confirmado como chefe dos Mvezo pelo rei da tribo Thembu, mas sob o domínio britânico, sua indicação tinha que ser ratificada pelo governo, que em Mvezo assumia a forma de um magistrado local. Como um chefe designado pelo governo, ele tinha direito a um estipêndio assim como a uma porção dos impostos que o governo arrecadava na comunidade pela vacinação de gado e pastagens comunitárias. Apesar de o papel do chefe ser venerável e respeitado, ele havia, setenta e cinco anos atrás, se tornado degradado pelo controle de um governo branco e antipático.

[...]

Meu pai era um homem alto e de pele escura, com uma postura imponente, que gosto de acreditar que herdei dele. Ele tinha um tufo de cabelos grisalhos bem acima da testa e, quando garoto, eu pegava cinzas brancas e passava no meu cabelo, imitando-o. Meu pai tinha modos severos e não deixava de lado a vara quando disciplinava seus filhos. Às vezes ele era excessivamente teimoso, outro traço que desafortunadamente pode ter sido passado de pai para filho.

[...]

Minha mãe cozinhava a comida em uma panela de tripé sobre uma fogueira no centro da choupana, ou fora dela. Tudo o que comíamos era nós mesmos que fazíamos ou cultivávamos. Minha mãe plantava e colhia o seu milho. O milho era colhido dos campos quando estava duro e seco. Ele era armazenado em sacas ou buracos cavados no solo. Quando preparavam o milho, as mulheres utilizavam métodos diferentes. Elas podiam tanto moer os grãos entre duas pedras para fazer pão, ou ferver o milho antes, produzindo um phothulo (farinha de milho consumida com coalhada) ou um ngqusho (mingau de milho, algumas vezes puro ou misturado com feijão). Diferentemente do milho, que às vezes escasseava, o leite de nossas vacas era sempre abundante.

[...]

Quando meninos, nós éramos deixados na maior parte do tempo fazendo o que quiséssemos. Brincávamos com brinquedos que nós mesmos fazíamos. Moldávamos animais e aves com barro. Fazíamos trenós puxados por bois com galhos de árvores. A natureza era o nosso parque de diversões. As colinas acima de Qunu eram salpicadas de pedras grandes e lisas que nós transformávamos em nossa montanha-russa. Sentávamos nas pedras achatadas e escorregávamos pela face das pedras grandes. Nós fazíamos isso até que nossos traseiros ficassem tão doloridos que mal conseguíamos sentar. Aprendi a cavalgar sobre bezerros desmamados — depois de ter sido jogado no chão várias vezes, pega-se o jeito da coisa.

[...] Ninguém na minha família havia frequentado a escola, e minha mãe não estava preparada [...]. Mas meu pai, que apesar de — ou talvez por causa de — sua própria falta de educação formal decidiu imediatamente que seu filho mais novo devia ir para a escola.

A escola consistia de uma única sala, como um teto de estilo ocidental, e localizava-se no outro lado da colina vizinha a Qunu. Eu tinha sete anos de idade, e no dia anterior ao meu primeiro dia de aula, meu pai me chamou para uma conversa e me disse que eu devia estar apropriadamente vestido para ir à escola. Até aquele momento, eu, como todos os outros meninos em Qunu, havia usado apenas uma manta, que cobria um ombro e era fixada na cintura. Meu pai pegou uma de suas calças e a cortou na altura dos joelhos. Ele me disse para vesti-las, o que fiz, e elas ficaram mais ou menos no comprimento certo, apesar de a cintura ser larga demais. Meu pai pegou então um pedaço de barbante e apertou as calças na cintura. Devo ter sido uma visão cômica, mas nunca possuí um traje que tivesse tanto orgulho em vestir do que as calças cortadas de meu pai.

No primeiro dia de aula, minha professora, Srta. Mdingane, deu a cada um de nós um nome inglês e disse que a partir de então aquele era o nome que deveríamos usar na escola. Essa era a tradição entre os africanos naqueles dias e indubitavelmente devia-se ao viés britânico em nossa educação. A educação que recebi era uma educação britânica, na qual as ideias britânicas, a cultura britânica, as instituições britânicas eram automaticamente entendidas como sendo superiores. A cultura africana não existia.

Os africanos de minha geração — e mesmo de hoje em dia — geralmente têm um nome inglês e um nome africano. Os homens brancos eram incapazes ou não tinham vontade de pronunciar um nome africano, e consideravam que era incivilizado ter um. Naquele dia, a Srta. Mdingane me disse que meu novo nome era Nelson. Por que ela me deu esse nome em particular não faço a mínima ideia. [...]

Não consigo definir com precisão o momento quando me tornei politizado, quando eu soube que passaria minha vida na luta pela libertação. Ser um negro na África do Sul significa que se é politizado desde o momento do nascimento, quer a pessoa reconheça isso ou não. Uma criança negra nasce em um hospital Apenas para Negros, levada para casa em um ônibus Apenas para Negros, mora em uma área Apenas para Negros e frequenta escolas Apenas para Negros, se é que vai para a escola.

Quando cresce, pode ter um emprego Apenas para Negros, alugar uma casa em assentamentos Apenas para Negros, viajar em trens Apenas para Negros, e ser parado na rua a qualquer hora do dia ou da noite e ser obrigado a apresentar um passe, se não o fizer, será preso e atirado na cadeia. Sua vida é circunscrita pelas leis e regulamentos racistas que limitam o seu crescimento, diminuem seu potencial e tolhem sua vida. Essa era a realidade e podia-se lidar com ela de formas infinitas.

Não tive uma epifania, nenhuma revelação, nenhum momento da verdade, mas um acúmulo constante de milhares de ofensas, milhares de indignidades, milhares de momentos não memoráveis, que produziram em mim uma cólera, uma rebeldia, um desejo de lutar contra o sistema que aprisionava o meu povo. Não houve um dia em particular no qual eu falei, “Deste momento em diante vou me devotar à libertação do meu povo”; em vez disso, simplesmente me vi fazendo isso, e não conseguiria agir diferentemente.

[...]

MANDELA, Nelson. Longa caminhada atŽ a liberdade. Tradução de Paulo Roberto Maciel Santos.
Curitiba: Nossa Cultura, 2012. p. 3-5, 10-11, 15-16, 117.

1 Mandela iniciou seu relato comentando o significado do seu nome e relacionou a fatos vivenciados por ele ao longo de sua vida.

a) Qual é o significado do nome de Mandela?

Literalmente, significa “arrancando o galho de uma árvore; coloquialmente, significa “encrenqueiro”.

b) Que relação foi estabelecida entre esses significados e os fatos vividos por Mandela?

Mandela não acreditava que o nome de uma pessoa poderia determinar o seu destino, mas amigos e parentes atribuíram a seu nome as muitas situações pelas quais ele passou.

2. Por qual nação europeia a África do Sul, país onde Mandela nasceu, foi dominada?

Pela nação britânica.

3. Em seu relato, Mandela comenta que acredita ter herdado do pai uma característica que o levou a lutar em favor do seu povo. Que característica é essa?

Uma postura imponente.

4. O que Mandela conta sobre sua ida à escola?

Ele conta que ninguém na família havia estudado e que ele, o filho mais novo de seu pai, fora o primeiro membro a frequentar uma escola.

5. Que tipo de educação era desenvolvido na escola sul-africana?

Uma educação baseada apenas na cultura britânica, na qual ideias e instituições britânicas eram automaticamente entendidas como superiores e, consequentemente, desconsiderava a cultura africana.

6. A desvalorização da cultura africana ficava evidente também em relação aos nomes dos africanos. Explique o que ocorria.

Os homens brancos eram incapazes ou não tinham vontade de pronunciar um nome africano, pois consideravam-no incivilizado.

7. No texto, Mandela conta como ocorria a segregação racial na África do Sul. Sublinhe os trechos em que ele cita esses exemplos.

8. Mandela apresenta uma série de fatos que despertaram nele o desejo de lutar contra o sistema que aprisionava o seu povo. Que acontecimentos foram esses?

Um acúmulo constante de milhares de ofensas, milhares de indignidades, milhares de momentos não memoráveis.

9. O texto lido é uma autobiografia. Que tipo de informações são apresentadas nesse texto?

São apresentadas informações sobre a vida de Mandela.

10. Quem relata essas informações?

O próprio Mandela.


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